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Crise hídrica e colapso de abastecimento modifica rotina da população no Brejo da Paraíba

por AcessaParaíba.com
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Por conta da falta de chuvas no Brejo paraibano, a barragem Canafístula II, em Borborema, que abastece municípios da região como Solânea e Bananeiras, entrou em colapso e não tem mais capacidade para abastecer a região com água nas torneiras. Segundo a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Bananeiras, Solânea, Cacimba de Dentro, Araruna, Riachão, Damião, Tacima e Dona Inês estão sem fornecimento de água pelas torneiras por tempo indeterminado.

Foto: Erickson Nogueira/g1

Com o colapso no abastecimento na região, diversos problemas foram acarretados por conta da falta d’água. Moradores de Solânea e Bananeiras, as cidades mais afetadas com o colapso, precisam se deslocar de suas casas para conseguir água ou até mesmo recorrer à compra d’água por meio de vendedores em carros pipa.

A barragem Canafístula II tem capacidade para 4.102.626,00 m³ de armazenamento de água em seu reservatório, mas, atualmente, só tem 1,45% armazenado, o que equivale a 59,650 m³, de acordo com a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa).

Nos últimos sete anos, a barragem apresentou média abaixo de 30% da capacidade total (apenas em junho de 2018, a barragem apresentou capacidade acima dos 30%, tendo atingido 32,43% da capacidade total na ocasião), e a partir de julho de 2020, quando o reservatório apresentava 29,98% de sua capacidade total, apresentou queda livre no seu armazenamento até o colapso, em setembro de 2021.

Uma das causas do colapso da barragem de Canafístula II foi a falta de chuvas na região, que não supriram a demanda para evitar a exponencial queda da capacidade do reservatório, uma vez que ele não conta com afluentes de recarga significativa. De acordo com Marle Bandeira, meteorologista da Aesa, as condições oceânicas não foram favoráveis para a ocorrência de chuvas na região do Brejo paraibano, o que dificultou a manutenção de volumes hídricos no reservatório.

“As condições oceânicas e atmosféricas não estavam favoráveis, principalmente as condições do oceano Atlântico. Nos últimos anos e meses as condições não estavam favoráveis para a ocorrência de chuvas abundantes nesta região”, disse Marle.

A meteorologista relatou que o Brejo atravessa por um período de estiagem natural nesta época do ano e que as chuvas na região são mais significativas entre os meses de inverno, mas a precipitação está abaixo da média nos últimos anos.

“As chuvas que ocorreram ultimamente não foram suficientes para ter uma recarga significativa [do reservatório] na região do Brejo. As chuvas foram abaixo da média. O período mais chuvoso para a região é entre abril e julho, e para os próximos três meses é o período normal de estiagem, é uma estiagem natural que faz parte da região”, concluiu a meteorologista.

A estudante Karla Lidiane, 22 anos, é uma das moradoras afetadas pela crise hídrica na região. Ela e a mãe, Josefa Francisca dos Santos, 59 anos, residentes da cidade de Solânea, relataram ao g1 a dificuldade que tem sido para buscar água para dentro de casa e como economizar além do que já vinha sendo feito tem sido mais desafiador.

“A gente tem realizado deslocamento para poços ou cisternas em pontos estratégicos, mas que são muito longe, e também estamos fazendo a compra de água para poder abastecer alguns baldes de 50 litros que temos, uma caixa d’água de mil litros e uma caixa d’água de 500 litros. E nós não temos, realmente, como gastar tanto. Estamos fazendo só o básico, inclusive roupas para lavar, não estamos lavando em casa, estamos economizando de várias formas”, relatou a estudante.

Para mãe e filha, a preocupação, além da incerteza de quando a água volta pelas torneiras, é por quanto tempo esta situação irá perdurar e como será evitado que fortes crises hídricas afetem a região com tanta regularidade.

“Enquanto não houver uma atitude que reverta essa situação, vai ser um problema iminente. A gente vai estar sempre esperando a barragem encher, e quando a barragem secar, a gente vai voltar para essa mesma situação novamente”, desabafou Karla com as incertezas sobre o futuro hídrico da região.

Outra moradora da cidade de Solânea, a estudante Maria José Ramos de Oliveira, 22 anos, também sofre com a crise hídrica no município, e tem procurado formas, junto à sua família, para economizar água em sua residência e se diz preocupada com o cenário hídrico na região.

“Essa falta de água afeta muito os moradores dos municípios, principalmente os que não possuem condições financeiras para pagar um caminhão pipa, tendo que enfrentar grandes filas para conseguir um balde de água. Na minha casa, nós diminuímos a quantidade de banhos por dia, lavamos a louça numa bacia pra não usar a torneira, as roupas são lavadas a mão para não usar o tanquinho, a descarga do banheiro é com balde, por que gasta menos do que a do armazenamento do próprio vaso”, relatou.

Na residência de Maria Oliveira moram seis pessoas que economizam o máximo que podem para evitar a falta de água em casa. A construção de uma cisterna no quintal de casa tem sido um alívio e uma sobrevida no meio da crise hídrica.

“A gente recebeu seis mil litros de água da prefeitura [de Solânea] para colocar na cisterna que temos em casa. Desde então, sempre que a gente retira de lá, completamos, indo buscar nos poços que tem aqui próximo de casa, porque não temos condições financeiras de comprar”, disse.

As enormes filas que se formam nos pontos de distribuição de água é algo que tem preocupado a população. Em Solânea, já foram confirmados 4.301 casos de Covid-19 no município, além de 51 mortes pela doença, de acordo com dados epidemiológicos disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba (SES-PB). E mesmo com o andamento da vacinação contra a doença, a prevenção deve permanecer.

“O que aparenta é que as pessoas não estão ligando mais com a doença. A maioria sem máscara, muito junto do outro, conversando, às vezes até tossem lá no meio da fila. Eu me preocupo bastante com essa questão, pois eu quero sempre o bem estar das pessoas, principalmente as que convivem comigo. Eu sempre oriento as pessoas da minha casa para ir com a máscara e tentar ficar o mais distante possível, porque a gente sabe que a pandemia ainda tá aí, e algumas pessoas nem completaram o esquema vacinal ainda. E sabemos que, mesmo vacinadas, algumas pessoas podem contrair o vírus e ser fatal”, completou.

Tragédia anunciada?

A partir de julho de 2020, a barragem Canafístula II apresentou queda livre no montante hídrico armazenado no reservatório. Na ocasião, o reservatório tinha 29,98% de água armazenada e, pouco mais de um ano depois, foi decretado o colapso de abastecimento. Para os moradores da região, o desabastecimento era previsível.

“Enxergo [a situação] como a confirmação de uma tragédia que já era anunciada há tempos anos. Está mais difícil a cada dia e isso sim me preocupa, não só a mim, mas a região inteira”, disse dona Josefa, mãe da estudante Karla Lidiane, que já imaginava que o colapso da barragem que abastece o município de Solânea poderia chegar a esse ponto.

Com a falta de água, muitos problemas e novas rotinas acabam se criando e fazendo parte do cotidiano de cada morador. Como a água não chega nas torneiras, uma maneira acessível é recorrer ao abastecimento por caminhão pipa.

O motorista de caminhão-pipa José Hildeberto Ribeiro Santos, da cidade de Araruna, se desloca duas vezes por dia até o ponto de abastecimento fornecido pela Cagepa em Solânea, num trajeto de 45 km de distância, para abastecer o caminhão (com capacidade para 9/10 mil litros de água) e levar água para a cidade de Araruna.

“Cada pipeiro faz duas viagens por dia para abastecer o caminhão, e a gente nota que nem todo mundo tem condições de comprar uma carrada de água [equivalente ao conteúdo de um caminhão-pipa]. A gente [pipeiro] abastece uma caixa de água [que serve para o consumo da população] e fica uma confusão, uma fila enorme. Antes da gente chegar para abastecer, já tem fila, baldes, tambor…a crise é grande”, disse o motorista.

Se buscar água em caixas de água nos pontos estratégicos distribuídos pelas prefeituras tem sido um dilema, adquirir em casa tem sido uma decisão complicada. Karla Lidiane comenta que, por enquanto, comprar água para encher os seus reservatórios tem sido acessível, mas tem receio do aumento dos preços ficarem exorbitantes e acabarem agravando ainda mais a crise hídrica na região.

“Por enquanto, nós estamos encontrando água por um preço que pode ser considerado acessível para a compra. Nós pagamos, geralmente, para ter o abastecimento tranquilo na nossa casa, pagando em torno de R$ 50 duas vezes no mês. Mas ainda “dá” para o bolso, porém, já estão aumentando esse valor. Era R$ 40, agora já passou para R$ 50, e assim as pessoas estão aumentando. O colapso será, realmente, quando, por querer aproveitar-se da situação, os entregadores de água, os donos de poços, começarem a cobrar mais caro, justamente por saber que a procura aumentou. E aí é onde vai começar a ficar difícil para nosso bolso, porque pelo menos, por enquanto, a gente pode comprar no conforto da nossa casa”, disse a estudante.

“Não enxergar ações que possam resolver essa situação me deixa mais insegura”, lamentou Karla.

Poder público tenta amenizar a crise hídrica no Brejo
De forma imediata, as autoridades políticas da região tomaram iniciativas pontuais para amenizar a crise nas cidades afetadas. Em Solânea, o prefeito Kayser Rocha (DEM) falou ao g1 sobre as medidas que a administração municipal está tomando para diminuir os impactos do colapso hídrico na cidade.

“Nós estamos trabalhando com ações para minimizar os impactos na cidade. Distribuímos caixas d’água pelo município, sendo dez fornecidas pela Cagepa e já colocamos mais quinze. O nosso objetivo é chegar a pelo menos a 30/35 caixas d’água espalhadas pelo município, e, com os nossos carros-pipa, também abastecer essas caixas. É um momento dificílimo, a maior crise hídrica da história da nossa região, da nossa cidade de Solânea também”, pontuou o prefeito.

O prefeito da cidade de Solânea lamentou que a região esteja passando por essa situação de colapso hídrico e comentou que faltou planejamento macro (abarcando todos os municípios) para evitar que chegasse ao ponto em que se encontra no momento.

“Faltou interligarmos as barragens e as nossas adutoras. Faltou precipitação, diminuiu os índices pluviométricos e, consequentemente, não se preparou, de forma macro, a infraestrutura hídrica na nossa região. O Brejo sempre foi tido como uma região de muita água, mas aos poucos foi acabando e chegamos a esse cenário que já era desenhado há algum tempo, mas que não se tomou, ao longo dos anos, uma medida efetiva para que nós não chegássemos a esse ponto”, disse Kayser.

Na cidade ao lado, em Bananeiras, a situação é similar ao que acontece em Solânea. A administração municipal investiu na perfuração de poços artesianos em pontos estratégicos da cidade para servir de ponto de abastecimento para a população da cidade. De acordo com a prefeitura do município de Bananeiras, serão perfurados 16 poços artesianos no município, além da instalação de caixas d’água para consumo da população.

As duas cidades, inclusive, estão em estado de calamidade pública definido por decreto e publicado no Diário Oficial do Estado da Paraíba (DOE), numa medida tomada por conta da crise hídrica que afeta a região. Em Bananeiras a medida foi publicada no dia 22 de setembro e para Solânea, foi definida a partir de 29 de setembro, válida por 180 dias e o estado solicita ajuda do governo federal para amenizar os efeitos da falta de água na região.

A Cagepa, no dia 6 de setembro, ao anunciar o colapso da barragem Canafístula II e desabastecimento para os municípios, também comunicou, numa ação imediata, que a população não receberá mais contas de água enquanto não for restabelecido o fornecimento na região. É uma medida que vale por tempo indeterminado, até a resolução da falta de abastecimento nas torneiras.

No mesmo dia em que a Cagepa divulgou a nota sobre a crise hídrica no Brejo, o governador João Azevêdo (Cidadania) comunicou que o governo do Estado irá dispor de algumas medidas para o enfrentamento da falta de água na região. Dentre essas medidas está a construção de uma adutora que irá interligar o sistema hídrico para aproveitar as águas da transposição do Rio São Francisco, partindo de Campina Grande até a região do Brejo, por intermédio da barragem de Camará, que fica situada entre os municípios de Alagoa Nova e Areia, e o projeto está em andamento.

Uma medida que está sendo tomada na região é a perfuração de poços artesianos para captar água do subsolo da região e ser mais uma alternativa para atravessar a crise. Em Solânea foram perfurados dois poços e mais cinco (quatro por parte do governo do Estado e um pela gestão municipal) ainda aguardam licitação para serem perfurados, e em Bananeiras, serão perfurados 16 poços artesianos, de acordo com informações da prefeitura do município.

De acordo com o professor Pedro Viana, do departamento de geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), essa perfuração de poços artesianos em grande quantidade pode amenizar a crise, mas, no médio/longo prazo, pode causar impactos danosos ao meio hídrico presente no subsolo da região.

“O uso das águas subterrâneas só é viável onde os aquíferos estão presentes, e não é o caso do Brejo paraibano. A Paraíba só tem bons aquíferos no extremo leste do estado, na região litorânea e na bacia do Rio do Peixe, no extremo oeste do estado. Fora disso, é usar mal o dinheiro público para perfurar poços. Entendo que em situações como essa, essa tentação sempre aparece, mas se os depósitos de águas subterrâneas [aquíferos] não são abundantes, não adianta perfurar”, esclareceu o professor.

A estudante Maria José Ramos de Oliveira, que é graduanda do curso de geografia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), também compartilha da mesma preocupação que o professor Pedro Viana. Segundo ela, os poços perfurados pela prefeitura e os poços de propriedade privada perfurados em grande escala prejudicam o material hídrico do subsolo e ameaçam a reserva natural da região.

“Temos que ter consciência de que a retirada excessiva das águas subterrâneas que está ocorrendo agora pode causar danos para nós mesmos ao longo do tempo. Com a diminuição das chuvas, os reservatórios subterrâneos não estão sendo reabastecidos e podem secar. O que faremos se isso acontecer? Onde iremos buscar outra fonte de água? Na minha opinião, faltou e falta planejamento das autoridades responsáveis para situações como essa”, disparou a estudante sobre a excessiva perfuração de poços artesianos na região de Bananeiras e Solânea.

Ainda de acordo com o professor Pedro Viana, é necessário um planejamento hídrico público interligado para amenizar a falta de água na região.

“Canafístula é uma barragem de pequeno porte. O caso é que a população, as atividades agrícolas crescem e a barragem é a mesma. Desde a década de 1970/80, depois do Planasa, não tenho conhecimento de uma política pública que efetivamente tenha atacado esse problema. Montar um plano [de abastecimento] é demorado, exige tempo, recursos e ampla participação de organismos da área e da sociedade civil, empresas, consultores, e seria mais focado no abastecimento de cidades e do meio rural”, finalizou.

Impactos na economia local

A falta de água na região do Brejo paraibano afeta não somente a rotina diária da população, mas também causa impactos na economia local. Setores como o imobiliário têm sido uma das áreas afetadas e que buscam amenizar os impactos do colapso hídrico.

A corretora de imóveis Thamyres Fernandes comenta que as pessoas interessadas em imóveis têm exigido reservatórios com maior capacidade de armazenamento de água e que busca esclarecer para os proprietários priorizarem maiores reservatórios nas residências.

“Os proprietários que disponibilizam as casas para locação tiveram um gasto maior na compra de água para encher cisternas. Sempre enfatizo a falta de água na região e oriento meus clientes a construírem reservatórios para maior comodidade. Mas, ainda assim, existe a necessidade de comprar água. Com certeza é um impacto maior ao bolso do proprietário, não interfere na locação, mas acaba sendo uma exigência humana de quem está morando no imóvel”, disse a corretora de imóveis.

*Sob supervisão de Krys Carneiro / G1PB


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